Ferreira Gullar
Ferreira Gullar foi poeta, jornalista, crítico de arte e precursor do movimento neoconcreto no Brasil.
Por meio de uma literatura experimental, radical e engajada, Gullar é considerado um dos maiores escritores brasileiros do século XX.
Fez parte da Academia Brasileira de Letras (ABL) a partir de 2014, sendo sétimo ocupante da cadeira n.º 37.
Biografia
José de Ribamar Ferreira nasceu em 10 de setembro de 1930 na cidade de São Luís, no Maranhão. Era filho de Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart.
Ali viveu parte de sua infância e adolescência. Quando jovem, revelou seu interesse pela literatura e decidiu ser poeta.
Resolveu adotar o nome que ele mesmo criou: Ferreira Gullar. Seu nome artístico representa a união dos sobrenomes de seus pais, e ainda, a mudança da grafia de Goulart, pertencente a sua mãe. Nas palavras do poeta: “Como a vida é inventada eu inventei o meu nome”.
Com apenas 19 anos, em 1949, publicou sua primeira obra intitulada: “Um pouco acima do chão”. No Maranhão foi colaborar e fundador da revista “Ilha”.
No início da década de 50, Gullar mudou-se para o Rio de Janeiro e se envolveu com o movimento de vanguarda do concretismo. A poesia concreta foi produzida levando em conta os efeitos sonoros e visuais.
Na cidade maravilhosa trabalhou nas revistas “O Cruzeiro” e “A Manchete”, e ainda nos jornais: “Jornal do Brasil” e “Diário Carioca”.
No final da década de 50, Gullar abandona o concretismo e funda um novo movimento: o Neoconcretismo. Ao lado de Lygia Clark e Hélio Oiticica, o Neoconcretismo surge no Rio de Janeiro, em contraposição aos ideais da corrente concreta paulista.
Foi ele quem escreveu o “Manifesto Neoconcreto”. O texto foi lido na “I Exposição de Arte Neoconcreta”, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1959.
“O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão, incorporando as novas dimensões “verbais” criadas pela arte não-figurativa construtiva. (...) Não concebemos a obra de arte nem como “máquina” nem como “objeto”, mas como um quase-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica.”
Além do Manifesto Neoconcreto, nessa época Gullar escreveu um de seus ensaios teóricos mais importantes: “Teoria do não-objeto”.
Filiou-se ao partido comunista e teve que se exilar em outros países durante a ditadura. Quando ocorreu o golpe militar de 1964, Ferreira fazia parte do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE (União Nacional dos Estudantes), fundado em 1961.
Morou em Moscou, Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires de 1971 a 1977. Durante o exílio na capital argentina, escreveu uma de suas obras mais emblemáticas, “Poema Sujo”.
Quando retornou ao Brasil, Ferreira foi preso e torturado pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Depois de libertado, continuou a trabalhar em jornais no Rio de Janeiro. Colaborou também como roteirista de televisão e dramaturgo (Teatro Opinião).
Em 2002 foi indicado para o “Prêmio Nobel de Literatura”. Foi galardoado duas vezes com o “Prêmio Jabuti” (2007 e 2011), o mais importante prêmio literário do Brasil.
Em 2010, Gullar recebeu o “Prêmio Camões”, o mais importante da literatura de língua portuguesa. Em 2014 foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Gullar faleceu em 4 de dezembro de 2016 no Rio de janeiro, aos 86 anos, vítima de pneumonia.
Seu último texto como colunista da Folha de São Paulo foi publicado no dia de sua morte: “Para que alguém necessita ter a sua disposição milhões de dólares?”
“E, por falar nisso, para que alguém necessita ter a sua disposição milhões e milhões de dólares? Para jantar à tripa fora? Se ele investir esse dinheiro numa empresa, criando bem e dando emprego às pessoas, tudo bem. Mas ninguém necessita ter dez automóveis de luxo, vinte casas de campo nem dezenas de amantes.
Tais fortunas devem ser divididas com outras classes sociais, investidas na formação cultural e profissional das pessoas menos favorecidas, usadas para subvencionar hospitais e instituições para atender pessoas idosas e carentes.”
Obras
Gullar foi dono de uma vasta obra literária. Ele escreveu poemas, contos, crônicas, ensaios, memórias, biografias, dramaturgia, críticas, e ainda fez traduções. Suas principais obras são:
- Um pouco acima do chão (1949)
- A luta corporal (1954)
- Poemas (1958)
- Teoria do não-objeto (1959)
- João Boa-Morte, Cabra Marcado pra Morrer (1962)
- Cultura posta em questão (1964)
- Dentro da noite veloz (1975)
- Poema sujo (1976)
- Uma luz no chão (1978)
- Na vertigem do dia (1980)
- Sobre arte (1984)
- Etapas da arte contemporânea (1985)
- Barulhos (1987)
- Indagações de hoje (1989)
- Argumentação contra a morte da arte (1993)
- Muitas vozes (1999)
- Um gato chamado gatinho (2005)
- Resmungos (2007)
- Em alguma parte alguma (2010)
- Autobiografia poética e outros textos (2016)
Poemas
Para compreender melhor a linguagem do escritor, confira abaixo alguns de seus poemas mais destacados:
Poema Sujo (Trecho da obra)
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
Não Há Vagas (Exemplo de Poesia Social)
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
Mar Azul (Exemplo de Poesia Neoconcreta)
mar azul
mar azul marco azul
mar azul marco azul barco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
Frases
- “A Arte existe porque a vida não basta.”
- “Sei que a vida vale a pena mesmo que o pão seja caro e a liberdade pequena.”
- “Em face da imprevisibilidade da vida, inventamos Deus, que nos protege da bala perdida.”
- “O esplendor das manhãs, o cheiro do tijuco podre, a lama, está tudo impregnado na minha poesia.”
Leia também:
- Poesia Social
- A Linguagem do Modernismo
- Características da Literatura Brasileira Contemporânea
- Poetas brasileiros modernos e contemporâneos
DIANA, Daniela. Ferreira Gullar. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/ferreira-gullar/. Acesso em: