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Principais autores da literatura brasileira (e suas obras)

Rodrigo Luis
Rodrigo Luis
Professor de Português e Literatura

Para organizar a literatura brasileira, os estudiosos dividem os textos em períodos literários. Cada período reflete o contexto social, histórico e cultural da época. A partir dessas divisões, é possível destacar os principais nomes e obras da literatura brasileira.

Neste conteúdo você encontra:

Quinhentismo

O Quinhentismo inclui a literatura de viagem e a literatura jesuítica. Os textos de viagem eram escritos por portugueses, em forma de cartas, narrando as descobertas no Brasil. Já os textos jesuíticos tinham um foco religioso e serviam para catequizar os indígenas.

Estude mais sobre o Quinhentismo.

Pero Vaz de Caminha

Pero Vaz de Caminha (1450 – 1500) foi um dos primeiros portugueses a pisar no Brasil. Funcionário da Coroa, esteve na expedição de Cabral em 1500. É o autor de um importante documento: a Carta de Achamento do Brasil.

A "Carta de Achamento do Brasil" é considerada o primeiro texto escrito em português no país. Na carta, Caminha descreve a fauna, flora e cultura indígena, além de revelar o interesse exploratório dos portugueses..

Trecho da Carta de Achamento

[...]

A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber

[...]

Padre Anchieta

José de Anchieta (1534 – 1597) foi um padre português que fez parte da Companhia de Jesus no Brasil. Anchieta foi enviado ao Brasil ainda noviço, com 19 anos, e foi um dos principais responsáveis na catequização dos nativos durante o início da colonização.

Padre Anchieta desenvolveu poemas que emulavam aspectos das trovas medievais, mais cantadas e simples, a fim de ensinar os nativos sobre os principais aspectos da fé católica. Além disso, o padre também foi autor da primeira gramática da língua tupi: “Arte de Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil” (1595).

Trecho do poema “A Santa Inês”

I

Cordeirinha linda,
como folga o povo
porque vossa vinda
lhe dá lume novo!

Cordeirinha santa,
de Iesu querida,
vossa santa vinda
o diabo espanta.

[...]

Estude mais sobre o Padre Anchieta.

Barroco

O Barroco reflete os conflitos entre a Igreja Católica e a Reforma Protestante. No Brasil, destaca-se a literatura produzida durante o ciclo da cana-de-açúcar.

Estude mais sobre o Barroco.

Padre Antônio Vieira

Padre Antônio Vieira (1608 – 1697) é mais um padre português pertencente à Companhia de Jesus. Nascido em Lisboa em 1608, veio para Salvador ainda criança. Vieira atuou como um importante pregador nas comunidades em que viveu e como uma figura significativa contra a escravização dos indígenas.

A sua produção literária contempla cartas enviadas à Coroa e, sobretudo, os Sermões. Os sermões eram elaborados com forte argumentação moral e religiosa. Seu estilo segue o conceptismo, marcado pela lógica e pelo raciocínio elaborado.

Trecho do Sermão da Sexagésima

[...] Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, e necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. [...]

Gregório de Matos Guerra

Gregório de Matos (1636 – 1696) foi o primeiro poeta nascido no Brasil. Ficou conhecido como "Boca do Inferno" por suas poesias satíricas, criticando a sociedade e o governo. Sua obra combina sarcasmo, lirismo e religiosidade. Sua escrita segue o estilo cultista da estética barroca, apresentando jogos de palavras e grande apreço pela forma do soneto.

Triste Bahia

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

Arcadismo

No século XVIII, com a exploração do ouro em Minas Gerais, cresce o sentimento de identidade brasileira. A literatura começa a se afastar do modelo europeu e a retratar a realidade da colônia.

Estude mais sobre o Arcadismo.

Cláudio Manuel da Costa

Cláudio Manuel da Costa (1729 – 1789) foi um dos principais poetas do Arcadismo no Brasil e uma figura importante na Inconfidência Mineira. Nascido em Mariana, Minas Gerais, estudou em Coimbra e trouxe para sua poesia a influência do classicismo europeu, utilizando temas bucólicos e idealizando a vida no campo.

Sua obra mais conhecida, "Obras Poéticas" (1768), reflete a busca pela simplicidade e equilíbrio, características do Arcadismo. Além de poeta, foi advogado e esteve envolvido nos movimentos de independência, o que levou à sua prisão e morte em circunstâncias misteriosas.

III

Pastores, que levais ao monte o gado,
Vêde lá como andais por essa serra;
Que para dar contágio a toda a terra,
Basta ver se o meu rosto magoado:

Eu ando (vós me vêdes) tão pesado;
E a pastora infiel, que me faz guerra,
É a mesma, que em seu semblante encerra
A causa de um martírio tão cansado.

Se a quereis conhecer, vinde comigo,
Vereis a formosura, que eu adoro;
Mas não; tanto não sou vosso inimigo:

Deixai, não a vejais; eu vo-lo imploro;
Que se seguir quiserdes, o que eu sigo,
Chorareis, ó pastores, o que eu choro.

Tomás António Gonzaga

Tomás António Gonzaga (1744 – 1810) foi um dos principais poetas do Arcadismo no Brasil e participou indiretamente da Inconfidência Mineira. Formado como juiz em Portugal, foi exilado em Moçambique por seu envolvimento com a política.

Sua obra reflete as ideias do Iluminismo. "Marília de Dirceu" (1792) é seu poema mais famoso, trazendo temas como amor e prisão, comuns entre os inconfidentes. Já "Cartas Chilenas" (1863) é uma sátira política que critica a corrupção do governo, comparando Vila Rica (atual Ouro Preto) a Santiago, no Chile.

Trecho de Marília de Dirceu

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,

que viva de guardar alheio gado,

de tosco trato, de expressões grosseiro,

dos frios gelos e dos sóis queimado.

Tenho próprio casal e nele assisto;

dá-me vinho, legume, fruta, azeite;

das brancas ovelhinhas tiro o leite

e mais as finas lãs, de que me visto.

Graças, Marília bela,

graças à minha Estrela!

[...]

Romantismo

No início do século XIX, com a Independência do Brasil, surgiu a necessidade de construir uma identidade nacional. Nesse processo, o indígena foi idealizado como símbolo do país. A literatura romântica refletiu essa busca, valorizando temas nacionais e dando mais liberdade criativa aos escritores, que passaram a se afastar das rígidas formas clássicas.

Estude mais sobre o Romantismo no Brasil.

Gonçalves de Magalhães

Gonçalves de Magalhães (1811 – 1882) foi o autor responsável por inaugurar o estilo romântico no país, com sua obra “Suspiros poéticos e saudades” (1836). A sua poesia trazia como tema o cenário de um Brasil nativo, valorizando a figura do indígena como elemento de brasilidade. Além disso, no importante prefácio de “Suspiros poéticos e saudades”, o autor escreve sobre as diretrizes para produzir uma obra verdadeiramente brasileira.

Trecho do prefácio de Suspiros poéticos e saudades

[...]

Este Livro é uma tentativa, é um ensaio; se ele merecer o público acolhimento, cobraremos ânimo, e continuaremos a publicar outros que já temos feito, e aqueles que fazer poderemos com o tempo. É um novo tributo que pagamos à Pátria, enquanto lhe não oferecemos coisa de maior valia; é o resultado de algumas horas de repouso, em que a imaginação se dilata, e a atenção descansa, fatigada pela seriedade da ciência.

[...]

Gonçalves Dias

Gonçalves Dias é o autor do famoso poema “Canção do Exílio” (1843) e do clássico “I-Juca Pirama” (1851), e é um dos escritores mais importantes da literatura brasileira.

Seus poemas mostram um trabalho cuidadoso com as palavras, combinando imagens de um Brasil idealizado, onde o nativo é visto como um herói, com um ritmo único. Em “I-Juca Pirama”, por exemplo, ele usa palavras de origem indígena e cria um ritmo que lembra os cantos e tambores dos povos nativos.

Canção do Exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo (1831 – 1852) é considerado um poeta da segunda geração romântica, e um dos maiores nomes no que diz respeito à poesia urbana e romântica. Autor de “Lira dos Vinte Anos” (1853), obra que, em função do sentimentalismo melancólico, das imagens relacionadas à morte e do amor impossível, é tida como ultrarromântica. Álvares de Azevedo foi um poeta que viveu pouco, nascido em São Paulo, o autor faleceu no Rio de Janeiro, aos 20 anos de idade.

Se Eu Morresse Amanhã

Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!

Castro Alves

Castro Alves (1847 – 1871) figura como o grande nome da terceira geração romântica no Brasil. Sua poesia é lida como uma poesia da abolição, dialogando claramente com as discussões da época sobre o fim da escravidão. A produção de Alves tem como destaque poemas como “O Navio Negreiro” e o livro “Espumas Flutuantes” (1870), o que lhe rendeu o título de poeta abolicionista e generosos elogios do autor Machado de Assis.

Trecho do poema Navio Negreiro

[...]

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

[...]

José de Alencar

José de Alencar (1829 – 1977) foi o principal prosador do romantismo brasileiro. Inventivo e criativo, é o autor de clássicos como “Iracema” (1865), “Til” (1872) e “Senhora” (1875). Suas obras inserem-se dentro de um projeto de identidade nacional que tinha como objetivo falar do Brasil aos brasileiros. Desse modo, engloba, historicamente, uma percepção indianista, regionalista e urbana da nação. Fazendo uso da fórmula romântica, com heróis e heroínas idealizados, Alencar adapta o típico romance português ao cenário nacional.

Alencar foi também autor de teatro, e uma figura polêmica no que diz respeito às discussões sobre a abolição da escravidão.

Trecho do Romance Iracema

"Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;

Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;

Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.

Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?

Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?

Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.

Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.

A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:

— Iracema!

O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio."

Realismo

Enquanto a primeira metade do século XIX teve um tom otimista na literatura, a segunda metade trouxe uma visão mais realista do país. Com debates sobre a abolição da escravidão e a proximidade da Proclamação da República, surge aquele que seria considerado o maior escritor brasileiro: Machado de Assis.

Estude mais sobre o Realismo no Brasil.

Machado de Assis

Considerado por muitos o grande escritor brasileiro, Machado de Assis (1839 – 1908) é um expoente ímpar nessa lista de grandes autores. Autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), obra que inaugura o realismo no Brasil, Machado analisa a sociedade brasileira a partir de um olhar mordaz e irônico, distanciando-se do idealismo romântico e do descritivismo típico do realismo em Portugal. Seu estilo é único e segue-se em obras como “Quincas Borba” (1891) e “Dom Casmurro” (1899).

Machado escreveu durante a vida romances e contos. Além disso, foi um dos fundadores da ABL, a Academia Brasileira de Letras. Sua imagem, durante anos, foi embranquecida pela historiografia e foi somente no século XXI que discussões mais sérias sobre o tema vieram, finalmente, trazer o reconhecimento de Machado de Assis enquanto um autor negro, tornando sua obra ainda mais significativa para se pensar a realidade nacional.

Trecho do Romance Memórias Póstumas de Brás Cubas

Óbito do Autor

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia — peneirava — uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: — “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.

[...]

Naturalismo

O Naturalismo é uma escola literária contemporânea ao Realismo. No entanto, ela apresenta algumas diferenças significativas, como a clara influência das teorias cientificistas da época, o que leva a uma narrativa quase sempre marcada por teorias deterministas e por um positivismo exacerbado.

Estude mais sobre o Naturalismo no Brasil.

Aluísio Azevedo

Aluísio Azevedo (1857-1913), autor de "O Cortiço" (1890), foi um dos principais representantes do Naturalismo no Brasil, influenciado por Émile Zola. Enquanto o Realismo criticava a hipocrisia da burguesia, o Naturalismo retratava as “patologias sociais”, focando nos pobres, marginalizados e criminosos.

Sua narrativa tem um tom cientificista, muitas vezes animalizando os personagens para explicar seu comportamento. Ainda assim, a escrita naturalista de Azevedo oferece uma visão profunda das relações sociais no Brasil do final do século XIX, abordando temas como exploração, preconceito e desigualdade.

Trecho do Romance “O cortiço”

"Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.

Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada, sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.

A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostrava uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas."

Raul Pompeia

Trata-se de um autor cada vez mais redescoberto. Pompeia (1863 – 1895) escreveu “O Ateneu” (1888), obra que apresenta influências realistas e naturalistas. Na narrativa, o protagonista relata as memórias da época de escola, legando aos leitores um microcosmo social da época. Assim, é por meio da visão do colégio Ateneu que o leitor irá perceber as dinâmicas da sociedade.

Trecho do Romance “O Ateneu”

"Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta." Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.

Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo — a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida.

Eu tinha onze anos.

[...]

Parnasianismo

Trata-se de uma escola literária que ao final do século XIX e no início do século XX buscou devolver a literatura os seus temas e técnicas clássicos, afastando-se do discurso social e privilegiando a poesia metrificada dos sonetos.

Estude mais sobre o Parnasianismo no Brasil.

Olavo Bilac

Considerado o príncipe parnaso, o escritor foi não só um poeta, mas uma importante figura pública nos primeiros anos de República do país. Seus poemas, como o poema "Via Láctea" (1888), versavam de forma bela e de fácil assimilação sobre temas universais como a vida, a morte e o amor, o que o fez cair na graça do público. Além disso, Bilac (1865 – 1918) traz em seu repertório alguns poemas erótico-amorosos, bem como a contribuição com a letra do hino da bandeira.

SONETO XIII

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Simbolismo

No final do século XIX, surge o Simbolismo. Assim como o Parnasianismo, seus autores evitavam temas sociais. Porém, em vez de buscar o clássico e o universal, o movimento era subjetivo, explorando sinestesias e trocas de sentidos para criar um imaginário onírico.

Estude mais sobre o Simbolismo no Brasil.

Cruz e Souza

Cruz e Souza (1861 – 1898) foi um autor nascido em Florianópolis, filho de pais alforriados, é uma das importantes figuras negras da história literária do país. A sua poesia apresenta profundidade filosófica, certa angústia existencial e um trabalho de cromatismo, com a cor branca figurando como signo em muito de seus poemas. “Missal” (1893) e Broquéis (1893) são duas de suas principais obras.

Alma solitária

Ó Alma doce e triste e palpitante!
que cítaras soluçam solitárias
pelas Regiões longínquas, visionárias
do teu Sonho secreto e fascinante!

Quantas zonas de luz purificante,
quantos silêncios, quantas sombras várias
de esferas imortais, imaginárias,
falam contigo, ó Alma cativante!

que chama acende os teus faróis noturnos
e veste os teus mistérios taciturnos
dos esplendores do arco de aliança?

Por que és assim, melancolicamente,
como um arcanjo infante, adolescente,
esquecido nos vales da Esperança?!

Alphonsus de Guimaraens

Afonso Henrique da Costa Guimarães (1870 – 1921) é o nome por trás do pseudônimo Alphonsus de Guimaraens. Escritor mineiro, Alphonsus de Guimaraens é autor do famoso poema “Ismália”. A poesia de Guimaraens é marcada por um tom melancólico, muito em função de uma trágica perda em sua vida (a noiva e prima do autor morreu aos 17 anos). Assim, a sua obra é introspectiva, trazendo marcas de um misticismo e de uma religiosidade católica, como forma de acolhimento ao tema da morte. Dentre as suas obras destacam-se o “Setenário das dores de Nossa Senhora” (1899) e a obra póstuma “Pastoral aos crentes do amor e da morte” (1923).

Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Pré-modernismo

O pré-modernismo não se configura como uma escola literária, mas como um período. Enquanto o modernismo surge oficialmente no ano de 1922, os anos anteriores passam a abarcar uma série de publicações que não necessariamente se vinculavam às escolas literárias anteriores. Assim, nesse período alguns escritores surgiram, com características próprias, misturando estilos e marcando a história da literatura brasileira.

Estude mais sobre o Pré-modernismo.

Euclides da Cunha

Euclides da Cunha (1866 – 1909) foi um jornalista e escritor literário. É dele a obra que marca o início do período denominado pré-modernismo: “Os Sertões” (1902). A obra trata da Guerra de Canudos (1830-1897) e mescla o relato histórico com o registro literário. Dessa forma, Euclides da Cunha concebe uma obra capaz de abarcar histórica, social e literariamente o regionalismo do interior da Bahia. Dividida em três partes (a terra, o homem e a luta), a obra extrapola as então convenções literárias, inaugurando um novo período de liberdade formal e de conteúdo.

Trecho da obra “Os Sertões”

[...]

É a árvore sagrada do sertão. Sócia fiel das rápidas horas felizes e longos dias amargos dos vaqueiros. Representa o mais frisante exemplo de adaptação da flora sertaneja. Foi, talvez, de talhe mais vigoroso e alto — e veio descaindo, pouco a pouco, numa intercadência de estios flamívomos e invernos torrenciais, — modificando-se a feição do meio, desinvoluindo, até se preparar para a resistência e reagindo, por fim, desafiando as secas duradouras, sustentando-se nas quadras miseráveis, mercê da energia vital que economiza nas estações benéficas, das reservas guardadas em grande cópia nas raízes.
E reparte-as com o homem. Se não existisse o umbuzeiro aquele trato de sertão, tão estéril que nele escasseiam os carnaubais tão providencialmente dispersos nos que os convizinham até ao Ceará, estaria despovoado. O umbu é para o infeliz matuto que ali vive o mesmo que a mauritia, para os garaúnos dos llanos.

[...]

Monteiro Lobato

Monteiro Lobato (1882 – 1948) foi um escritor singular na literatura brasileira. Nascido em Taubaté, o autor foi um pré-moderno antimoderno. Isso porque a sua obra teve papel importante na construção de uma literatura infantil brasileira, ao explorar o universo infantil em livros como “Narizinho Arrebitado” e “Emília no País das Gramáticas” (títulos do universo do Sítio do Pica-Pau Amarelo). Além disso, em Urupês (1918), o autor realiza uma denúncia das condições do trabalho rural, por intermédio de personagens famosos, como Jeca Tatu.

Contudo, a sua importância na história da literatura brasileira vai além da sua escrita. Em sua carreira, afinal, Lobato adotou posições conservadoras em relação ao modernismo, sendo o autor do artigo “Paranóia ou Mistificação?” (1917) em que ataca criticamente a produção artística de Anita Malfatti. Assim, embora um autor cronologicamente pré-moderno, Lobato mostrou-se ideologicamente antimoderno.

Trecho do artigo “Paranóia ou Mistificação?”

"Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardando os eternos rirmos da vida, e adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. Quem trilha por esta senda, se tem gênio, é Praxíteles na Grécia, é Rafael na Itália, é Rembrandt na Holanda, é Rubens na Flandres, é Reynolds na Inglaterra, é Leubach na Alemanha, é Iorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloaga na Espanha. Se tem apenas talento vai engrossar a plêiade de satélites que gravitam em torno daqueles sóis imorredouros. A outra espécie é formada pelos que veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos de cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz de escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento."

[...]

Lima Barreto

Alfonso Henriques de Lima Barreto (1881 – 1922) foi um escritor nascido no Rio de Janeiro. Advindo de uma família pobre, teve oportunidade de continuar os estudos a partir do apadrinhamento do Visconde de Ouro Preto. Lima chegou a cursar a Escola Politécnica, no entanto, precisou abandonar o curso para ajudar a sua família com as despesas.

Durante sua vida, Lima Barreto enfrentou uma série de dificuldades, tanto pelo preconceito devido ao fato de ser um homem negro, quanto pelas questões familiares. Assim, o autor chegou a ter problemas com o alcoolismo, sendo internado por conta disso.

Sua obra de maior destaque é o romance “Triste fim de Policarpo Quaresma” (1911) que se desvincula da tradição dos folhetins ao produzir uma narrativa coloquial e fluida, de tom satírico e humorado. Além disso, o autor escreveu contos de humor mordaz e sensibilidade crítica para a questão racial dos subúrbios do Rio de Janeiro. Exemplo disso é a obra “Clara dos Anjos”, que expõe certos mitos da ideia de democracia racial.

Trecho de “Clara dos Anjos”

[...]

Cessou de pensar em Cassi e pôs-se a cogitar no trabalho, nas gratificações e nos aumentos. Chegou à repartição, assinou o ponto, cumprimentou os colegas e chefes; e, à hora certa tomou a correspondência a distribuir e lá correu para os escritórios, casas de comércio, entregando cartas e pacotes.

Vinha tudo isto com nomes arrevesados; franceses, ingleses, alemães, italianos, etc; mas, como eram sempre os mesmos, acabara decorando-os e pronunciando-os mais ou menos corretamente. Gostava de lidar com aqueles homens louros, rubicundos, robustos, de olhos cor do mar, entre os quais ele não distinguia os chefes e os subalternos. Quando havia brasileiros, no meio deles, logo adivinhava que não eram chefes. Almoçava frugalmente e até as cinco executava o serviço, isto é, as várias distribuições de correspondência.

Terminado o trabalho, procurava os seus colegas de arte e, aí, pelas cinco, cinco e meia, metia-se no trem para a casa.

[...]

Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos (1884 – 1914) foi um poeta que angariou o epiteto de Poeta da Morte. Isso porque a sua obra atravessava diversos temas sombrios e melancólicos. Embora fosse advogado, Augusto dos Anjos encontrou seu talento na poesia. Seus poemas foram publicados em uma única obra, intitulada “Eu” (1912). O estilo de seu texto é comumente vinculado ao simbolismo, no entanto, é nítida a influência de outras escolas literárias, como o parnasianismo e o romantismo. Assim, a mistura de estilos e a escolha vocabular “antipoética” conferiram à obra do autor um caráter único, situando-o como um expoente pré-moderno.

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Modernismo

O século XX é sem dúvida um século de muitas transformações. Assim, no ano de 1922 é realizada em São Paulo a Semana de Arte Moderna, com a intenção de inaugura e reformular os paradigmas estéticos (e éticos) da arte brasileira. Surgem novas preocupações sobre a produção e o ser brasileiro, de modo que novos escritores passam a permear o cenário nacional, realizando uma espécie de revisão sobre a literatura do país.

Estude mais sobre o Modernismo.

Oswald de Andrade

Oswald de Andrade (1890 – 1954) foi poeta, romancista e dramaturgo. Um dos principais líderes do movimento modernista, Oswald de Andrade era irreverente, polêmico e combativo. Sua atuação, assim, merece atenção para além das páginas literárias.

Seus escritos apresentam uma visão crítica da realidade nacional, tendo como destaque os chamados poemas-pílulas e poemas-piada, que subvertiam a forma e o conteúdo da poesia nacional. Além disso, em diálogo com as estéticas vanguardistas, escreveu o "Manifesto Pau-Brasil" e o "Manifesto Antropófago", textos importantes para definir os rumos do modernismo em seu início.

Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Já na dramaturgia, escreveu o “Rei da Vela” (1937), peça que continua a ser encenada e republicada até os dias de hoje.

Mário de Andrade

Mário de Andrade (1893 – 1945) foi um importante poeta, romancista e ativista cultural no Brasil. Junto do amigo Oswald de Andrade dividiu a liderança do movimento modernista em seus primeiros anos. Assim, ao lado de outros artistas, teve papel de destaque na Semana de Arte Moderna de 22.

Sua grande obra é o romance “Macunaíma” (1928), obra que apresenta uma linguagem coloquial e irônica, e busca rediscutir a formação do povo brasileiro. Além disso, é autor de grandes livros de poemas como “Pauliceia Desvairada” (1922) e o “Clã do Jabuti” (1927). Mário de Andrade faz uso do verso livre e abarca temas sociais e críticos à respeito da identidade nacional.

Trecho de “Macunaíma”

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.

Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava:

— Ai! que preguiça!…

Manuel Bandeira

Manuel Bandeira (1886 – 1968) foi um escritor que fez parte da primeira geração do modernismo no Brasil. Embora não tenha participado da Semana de 22, enviou o poema “Os Sapos”, para que fosse lido pelos presentes. O poema utilizava-se de uma linguagem coloquial e prosaica, tônicas da obra do autor, a fim de criticar o estilo parnasiano.

O lirismo poético de Bandeira foi um expoente do verso livre e da liberdade criadora, manifestos em obras que iam de temas cotidianos a melancólicos. O autor integrou a Academia Brasileira de Letras e foi autor de importantes livros como “Cinza das Horas” (1917) e “Libertinagem” (1930).

Trecho do poema “Poética”

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.

[...]

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), o poeta de Itabira, é um dos maiores poetas da literatura brasileira. Contemporâneo de Mário, Oswald e Bandeira, o autor figura sempre na lista de escritores pertencentes à segunda geração modernista no Brasil. Sua obra, assim, perpassa os diferentes momentos do Modernismo, indo desde a empolgação inicial até as expressões mais críticas da terceira geração.

Assim, o lirismo do Drummond foi precursor da poesia de 30, uma poesia crítica e engajada, a partir da publicação de “Alguma Poesia” (1930), seu primeiro livro de poemas. Dentre suas outras publicações destacam-se ainda “Sentimento do mundo” (1940), “A Rosa do Povo” (1945) e “Claro Enigma” (1951).

Em toda sua obra, é nítido o engajamento social e a construção de imagens a partir do verso livre. Drummond deixa de lado a métrica regular para falar do cotidiano, do trágico, do cômico e do belo narealidade social do Brasil (e por vezes, do mundo).

Sentimento do Mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.

Rachel de Queiroz

Rachel de Queiroz (1910 – 2003) foi uma importante escritora e jornalista brasileira. Premiada com o Prêmio Camões (1933) ela foi a primeira mulher a recebê-lo. Queiroz dedicou-se a escrita dos romances regionais, inaugurando a chamada Prosa Regionalista de 30. Seu livro “O Quinze” (1930) ganhou o prêmio da Fundação Graça Aranha, ao retratar de forma realista, com uma linguagem crua e bruta, as problemáticas decorrentes da seca na vida dos retirantes nordestinos.

Trecho do romance “O Quinze”

"Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora.

Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra da mesma cruz.

Cordulina, no entanto, queria-o vivo. Embora sofrendo, mas em pé, andando junto dela, chorando de fome, brigando com os outros...

E quando reencetou a marcha pela estrada infindável, chamejante e vermelha, não cessava de passar pelos olhos a mão trêmula:

— Pobre do meu bichinho!"

Graciliano Ramos

Graciliano Ramos (1892 – 1953) foi um dos escritores expoentes da chamada prosa de 30. Alagoano, o autor teve atuação não apenas no meio literário, mas também no meio político. Além disso, seu engajamento social fez com que o escritor fosse, inclusive, encarcerado durante a ditadura do Estado Novo, sob acusação de filiação com o Partido Comunista do Brasil.

As suas obras, assim, exploram a realidade da vida nordestina não somente a partir do sofrimento causado pela seca e certa precariedade na manutenção estatal, mas também sob uma perspectiva existencialista. Ganham destaque obras como “Vidas Secas” (1938), que retrata em uma prosa circular a vida da família de Fabiano na tentativa de fugir da seca periódica, e “Angústia” (1936), obra existencial que desvela as nuances das relações sociais na região de Maceió.

Trecho de “Vidas Secas”

"Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.

Arrastaram-se para lá, devagar, sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o ai ó a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.

Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.

— Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.

Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo."

Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa (1908-1967) é um dos maiores escritores da literatura brasileira, sendo um dos principais nomes da terceira geração modernista. Sua obra se destaca pela inovação linguística, com neologismos e a oralidade do sertão, além da forma única como incorpora a cultura popular na narrativa.

Mais do que um escritor regionalista, Guimarães Rosa transforma o sertão em um espaço universal, explorando questões humanas profundas. Seus livros "Grande Sertão: Veredas" (1956) e "Sagarana" (1946) são exemplos dessa originalidade, marcando sua relevância na literatura nacional e mundial.

Trecho de “Grande Sertão: Veredas”

"Sentimento que não espairo; pois eu mesmo nem acerto com o mote disso ― o que queria e o que não queria, estória sem final. O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se quer, de propósito ― por coragem. Será? Era o que eu às vezes achava. Ao clarear do dia."

Clarice Lispector

Clarice Lispector (1920 – 1977) é Haya Pinkhasovna Lispector. Nascida na Ucrânia, a autora mudou-se muito jovem para o Brasil, onde radicou-se. Autora de língua portuguesa, Clarice Lispector é reconhecida como uma das maiores e mais importantes escritoras brasileiras.

Entre contos e romances, a autora apresenta como marca estilística o fluxo de consciência e o monólogo interior. Assim, constrói tramas em que as personagens apresentam momentos epifânicos e transformadores (positiva e negativamente). Dentre as suas obras merecem destaque o romance urbano “A hora da estrela” (1977), que conta em muitas camadas narrativas, a história de Macabéa, uma migrante no Rio de Janeiro, e as coletâneas de contos, como “Laços de Família” (1960).

Trecho de “A hora da estrela”

"Macabéa, que nunca se irritava com ninguém, arrepiava-se com o hábito que Glória tinha de deixar a frase inacabada. Glória usava uma forte água-de-colônia de sândalo e Macabéa, que tinha estômago delicado, quase vomitava ao sentir o cheiro. Nada dizia porque Glória era agora a sua conexão com o mundo. Este mundo fora composto pela tia, Glória, o Seu Raimundo e Olímpico — e de muito longe as moças com as quais repartia o quarto. Em compensação se conectava com o retrato de Greta Garbo quando moça. Para minha surpresa, pois eu não imaginava Macabéa capaz de sentir o que diz um rosto como esse. Greta Garbo, pensava ela sem se explicar, essa mulher deve ser a mulher mais importante do mundo. Mas o que ela queria mesmo ser não era a altiva Greta Garbo cuja trágica sensualidade estava em pedestal solitário. O que ela queria, como eu já disse era parecer com Mary lin. Um dia, em raro momento de confissão, disse a Glória quem ela gostaria de ser.

E Glória caiu na gargalhada: – Logo ela, Maca? Vê se te manca!"

João Cabral de Melo Neto

João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999) foi um importante poeta brasileiro que fez parte da terceira geração modernista do Brasil. Recifense, o poeta se destacou pelo seu rigor estético, o que, de início parece contrariar a liberdade formal do modernismo. Porém, a sua poesia também prezava pela simplicidade. Assim, o escritor adquiriu a fama de poeta engenheiro, pois trabalhava em função da ideia de um “poema útil”, social e liricamente.

Desse modo, sua poesia buscou aliar o social dentro do formalismo, trazendo para o seu texto uma crítica simples, direta e bela. Cabral escreveu uma poesia racional e, por vezes, até mesmo antilírica, mas sem jamais deixar de lado o seu rigor. Além do seu famoso “More e Vida Severina” (1955), destacam-se também poemas como “Paisagem do Capibaribe” e o “Cão sem Plumas”.

A Educação pela Pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.

Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes Telles (1918 – 2022) foi uma escritora paulista que se destacou na Literatura Brasileira. Ela fez parte da Academia Brasileira de Letras, ocupando a quarta cadeira. Lygia é formada em Direito, mas a vocação literária vem desde a adolescência. Famosa pelos seus contos, Lygia fez parte da terceira geração modernista, com narrativas que privilegiam a prosa intimista e o fantástico ao aliá-las ao espírito crítico de seu tempo.

Trecho do conto “Seminário dos Ratos”

"No rigoroso inquérito que se processou para apurar os acontecimentos daquela noite, o Chefe das Relações Públicas jamais pôde precisar quanto tempo teria ficado dentro da geladeira, enrodilhado como um feto, a água gelada pingando na cabeça, as mãos endurecidas de câimbra, a boca aberta no mínimo vão da porta que de vez em quando algum focinho tentava forcejar. Lembrava-se, isso sim, de um súbito silêncio que se fez no casarão: nenhum som, nenhum movimento. Nada. Lembrava-se de ter aberto a porta da geladeira. Espiou. Um tênue raio de luar era a única presença na cozinha esvaziada. Foi andando pela casa completamente oca, nem móveis, nem cortinas, nem tapetes. Só as paredes. E a escuridão. Começou então um murmurejo secreto, rascante, que parecia vir da Sala de Debates e teve a intuição de que estavam todos reunidos ali, de portas fechadas. Não se lembrava sequer de como conseguiu chegar até o campo, não poderia jamais reconstituir a corrida, correu quilômetros. Quando olhou para trás, o casarão estava todo iluminado."

A literatura brasileira após o modernismo

Não há um consenso de que o modernismo tenha ou não tido um fim por parte da crítica literária. No entanto, é ainda possível citar alguns nomes que escreveram e escrevem após os anos de maior relevância da última geração modernista. Nesse sentido, é comum destacar os autores concretistas, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, por exemplo, e os marginais, como Ana Cristina César e Leminski. Além disso, nomes ainda atuantes, como é o caso de Conceição Evaristo, que a cada dia que passa angaria mais leitores e reconhecimento, também merecem destaquem.

Trecho do poema "Vozes-Mulheres", de Conceição Evaristo

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela

[...]

A história da literatura brasileira

A literatura brasileira vai além dos textos escritos em português no Brasil. Ela envolve também seus autores e como eles se inseriam no contexto social e histórico. Assim, seu estudo deve considerar dois aspectos principais: a evolução cronológica e a construção da identidade brasileira ao longo do tempo.

A colonização portuguesa marcou não só a história do Brasil, mas também o início de sua literatura. A língua portuguesa chegou com Pedro Álvares Cabral e, no início, serviu como instrumento de dominação dos povos indígenas, que se tornaram o principal tema dos primeiros textos escritos aqui.

Com a chegada dos portugueses, começaram a surgir os primeiros textos em português sobre o Brasil. No entanto, essas obras foram escritas por autores portugueses, como Pero Vaz de Caminha e Padre Anchieta, e não por brasileiros. Por isso, os estudiosos diferenciam os textos produzidos por portugueses daqueles que, mais tarde, seriam escritos por brasileiros.

Referências Bibliográficas

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Editora Cultrix, 1994.

CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2015.

CARPEAUX, Otto Maria. História da Literatura Ocidental. São Paulo: Leya, 2019.

MAGALHÃES, D. J. G. de. Discurso sobre a história da literatura do Brasil. In: COUTINHO, A. (Org.). Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Pallas; Brasília: INL, 1980.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Mutações da literatura no século XXI; São Paulo: Companhia das letras, 2016.

SCHWARCZ, Lilia. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das letras, 2017.

Rodrigo Luis
Rodrigo Luis
Professor de Língua Portuguesa e Literatura formado pela Universidade de São Paulo (USP) e graduando na área de Pedagogia (FE-USP). Atua, desde 2017, dentro da sala de aula e na produção de materiais didáticos.