Redemocratização do Brasil
Redemocratização é o processo por meio do qual são restabelecidas as instituições e liberdades democráticas de um Estado após um período de ditadura, no qual os direitos sociais e políticos estavam suprimidos.
No Brasil, considera-se que houve redemocratização em dois momentos de sua história republicana:
- 1945, fim da Ditadura do Estado Novo (1937-1945);
- 1985, fim da Ditadura Militar (1964-1985).
Democracia e redemocratização
Antes de entender o que é redemocratização, é preciso relembrar o conceito de democracia. A palavra democracia vem do grego, significando o “governo do povo”.
Como não é possível que toda uma população governe, o povo cede seu poder para representantes políticos. Isto é chamado de democracia representativa.
Em um Estado democrático, todos os cidadãos têm um conjunto de direitos considerados fundamentais garantidos por lei, incluindo o de participação política.
Desta maneira, quando o povo tem retiradas suas liberdades fundamentais, está vivendo sob ditadura. Importante ressaltar que as ditaduras podem ser civis ou militares.
Assim, redemocratizar é restabelecer a democracia às sociedades que sofreram um período de ditadura.
Tal processo envolve a participação de diversos setores da sociedade civil, incluindo movimentos sociais, intelectuais, partidos políticos, entre outros.
Contudo, pode ocorrer que segmentos mais conservadores da sociedade, como as elites econômicas, tentem conduzir o processo de redemocratização, de forma a reduzir a participação popular.
A redemocratização de 1945
Antecedentes: o Estado Novo (1937-1945)
Após um breve período democrático, iniciado em 1934, Getúlio Vargas dissolveu o Congresso e outorgou uma nova Constituição à nação, proibindo os partidos políticos e acabando com as eleições presidenciais. Além disso, o governo Vargas manteve a polícia política e a censura prévia em jornais e espetáculos.
Este período, conhecido como Estado Novo (1937-1945), é considerado uma ditadura, pois houve uma interrupção democrática na história republicana do Brasil.
Na década de 1940, o Estado Novo já não era uma unanimidade entre a elite brasileira. Um dos documentos que reflete essa insatisfação é o "Manifesto dos Mineiros", escrito de maneira clandestina em 1943. Nele, intelectuais do estado de Minas Gerais fazem críticas ao governo. O Manifesto foi publicado na imprensa e vários de seus autores foram presos.
Contudo, o principal motivo para a perda de legitimidade do Estado Novo foi a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Afinal, enquanto o Brasil lutava contra o nazifascismo na Europa, vivia sob um regime ditatorial.
Em 1945, Getúlio Vargas sofreu um golpe de Estado articulado entre os militares e a UDN (União Democrática Nacional).
As eleições de 1945 e o novo período democrático
Como vimos, redemocratizar significa devolver a soberania ao povo, e isto deve ser feito através de eleições livres.
Como Getúlio Vargas havia extinguido a figura do vice-presidente, após sua retirada do poder, quem assumiu o cargo foi o Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares.
Linhares garantiu a realização de eleições presidenciais e parlamentares ainda em 1945, onde vários partidos políticos, inclusive o Partido Comunista, puderam concorrer. O vencedor da eleição foi o General Eurico Gaspar Dutra, do PSD (Partido Social Democrático).
Cabe ressaltar que a candidatura de Dutra foi apoiada por Getúlio Vargas, que não se retirou da cena política brasileira. Além de seu peso na vitória de Dutra, Vargas se elegeu senador pelo estado do Rio Grande do Sul.
Outro passo fundamental no processo de redemocratização é a modificação ou restabelecimento de uma Constituição democrática.
Assim, os deputados eleitos para o Congresso, formaram a Assembleia Nacional Constituinte e promulgaram a nova Constituição brasileira em setembro de 1946.
Apesar do retorno de várias garantias constitucionais anteriores ao Estado Novo, bem cedo este processo de redemocratização se revelou incompleto. O Partido Comunista foi declarado ilegal em 1947 e o direito ao voto era vedado aos analfabetos.
Ainda que com tais limitações, este período democrático brasileiro se estendeu entre 1945 e 1964, sucedendo-se no poder os presidentes democraticamente eleitos:
- Enrico Gaspar Dutra;
- Getúlio Vargas;
- Jânio Quadros;
- João Goulart.
Em 1964, um Golpe Militar deu início a um novo período ditatorial na história republicana brasileira.
A redemocratização de 1985
Antecedentes: a ditadura militar (1964-1985)
Em 1964, os militares, apoiados por parte da sociedade brasileira, destituíram o presidente João Goulart, alegando uma suposta ameaça socialista.
O movimento fazia parte de um contexto internacional mais amplo da Guerra Fria, no qual os Estados Unidos apoiou a instauração de diversos regimes militares na América Latina.
Alegando restaurar a ordem e impedir o estabelecimento do comunismo no Brasil, os militares ficaram 21 anos no poder, alternando a presidência do país entre si em eleições indiretas.
Em 1967, estabeleceram uma nova Constituição. Nela, suprimiram o voto direto ao Executivo, instituíram a censura prévia aos meios de comunicação e restringiram uma série de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, o direito de associação e de manifestação.
Por trás da máscara constitucional, a ditadura suprimiu direitos e perseguiu seus adversários. Entre 1964 e 1969 foram emitidos dezessete Atos Institucionais, decretos estabelecidos pelos militares visando legitimar a ditadura e estabelecer a repressão.
Criado em 1969, o Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) - foi responsável pela perseguição, prisão e tortura de centenas de pessoas que se opunham ao novo regime.
Do ponto de vista econômico, o investimento internacional garantiu um quadro de crescimento, chamado de Milagre Econômico. Porém, esse quadro iria mudar já em meados da década de 1970.
A Abertura Política: 1975-1985
Em meados da década de 1970, a Ditadura Militar já dava sinais de perda de sua base de apoio.
Com o fim do "milagre econômico", a população passou a mostrar sinais de descontentamento com o regime militar. Igualmente era cada vez mais difícil esconder a tortura e desaparecimento de pessoas perseguidas pelo regime.
Dois eventos foram significativos para o “início do fim” da Ditadura:
- as eleições legislativas de 1974, com forte crescimento do MDB (único partido de oposição permitido durante a Ditadura);
- a repercussão do assassinato após tortura do jornalista Wladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI.
Contudo, o processo de fim da ditadura e transição para um governo democrático no Brasil se estendeu durante dez anos, entre 1975-1985, recebendo o nome de Abertura.
Os militares propuseram uma “abertura lenta, gradual e segura” (slogan do Governo Geisel). A ideia era controlar o processo e ir de encontro às divergências existentes entre os membros da chamada “linha dura” do regime e aqueles mais moderados.
Durante os anos da Abertura, houve resistência da “linha dura”. Ainda permaneciam casos de perseguição política, tortura e uma série de falsos atentados organizados pelos próprios militares, como no conhecido caso do Atentado do Riocentro, em 1981.
Na ocasião, militares armaram um ataque à bomba para incriminar grupos de oposição à ditadura durante um show de música. O atentado fracassou e a armação foi descoberta.
No governo de Ernesto Geisel (1974-1979), foram iniciadas mudanças no cenário político:
- afastamento de alguns militares contrários ao processo de abertura;
- restabelecimento de relações diplomáticas com alguns países comunistas, como a China, Bulgária e Hungria;
- revogação, já no final do mandato, dos Atos Institucionais.
Contudo, houve momentos de retrocesso durante o Governo Geisel, como o Pacote de Abril (1977), conjunto de decretos que fechou temporariamente o Congresso e que teve como principal objetivo frear o avanço do MDB.
Já no governo Figueiredo (1978-1985), novas leis que favoreciam a abertura política são sancionadas:
- promulgação da lei da Anistia em agosto de 1979 e a volta dos exilados políticos;
- permissão para criação de novos partidos políticos, em 1979.
Também houve maior tolerância às manifestações populares e comícios, permitindo a ascensão do movimento sindical, com destaque para a região do ABC Paulista.
A Lei da Anistia (1979) foi um marco no processo de Abertura. A anistia era uma das bandeiras dos movimentos de oposição ao regime militar. A lei permitiu o retorno dos exilados acusados de crimes políticos no período do regime militar.
Contudo, a Lei de Anistia também isentou os militares envolvidos em crimes de tortura, sendo por isso criticada até hoje.
Outro símbolo do processo de Abertura foi a Campanha das Diretas Já. Pelas regras eleitorais estabelecidas pela ditadura, o sucessor de Figueiredo deveria ser escolhido pelo conjunto de deputados estaduais, federais e senadores (Colégio Eleitoral).
Em 1983, o deputado Dante de Oliveira propôs eleições diretas através de uma Emenda Constitucional. Esta ideia encontrou apoio nos movimentos de oposição à ditadura, que a partir de 1984 organizaram uma série de manifestações públicas para exigir que o próximo presidente fosse eleito pela população, ou seja, por eleições diretas.
Apesar das tentativas do regime para frear o movimento, a campanha das "Diretas Já!" reuniu milhões de pessoas que participaram de comícios nas principais cidades do país. Nos palanques discursavam políticos oposicionistas de vários partidos e personalidades públicas.
Tal proposta, porém, seria derrotada e o primeiro presidente civil, após a ditadura militar, foi escolhido de forma indireta, no Colégio Eleitoral.
As eleições indiretas de 1985
Em janeiro de 1985, foi realizada a eleição indireta para presidente. O PDS (antiga ARENA) indicou o então deputado Paulo Maluf para disputar a presidência.
Uma parcela dos integrantes do PDS, insatisfeita com a escolha de Maluf, fechou um acordo com o PMDB. Juntos, formaram uma chapa única para disputar a presidência da República no Colégio Eleitoral, denominada Aliança Democrática.
Tancredo Neves, foi o escolhido para encabeçar a chapa do PMDB, tendo José Sarney, do PDS, como vice. A Aliança Democrática saiu vencedora das eleições.
A partir da eleição de Tancredo Neves, teve início o período da história brasileira conhecido como Nova República, que se estende do fim da Ditadura Militar aos dias atuais.
Um dia antes de sua posse, o presidente eleito, Tancredo Neves, adoeceu gravemente e seu vice, José Sarney, tomou posse do cargo interinamente.
Tancredo acabou falecendo, causando grande comoção nacional. Após o falecimento de Tancredo, Sarney assumiu a presidência.
Mapa mental sobre a redemocratização do Brasil (em resumo)
A Nova República
O próximo passo foi promover eleições parlamentares para formar a Assembleia Nacional Constituinte. Esta promulgou a nova Carta Magna, democrática, em 1988.
Conhecida como “Constituição Cidadã”, a Constituição de 1988 representou um avanço em relação às Constituições anteriores, pela ampla participação de movimentos populares durante sua elaboração e pela busca em estabelecer uma sociedade mais justa e igualitária.
No entanto, Sarney conservou o Serviço Nacional de Informações e cumpriu a promessa de não processar nenhum envolvido em torturas durante a Ditadura Militar e desvios financeiros. Sarney também enfrentou, sem sucesso, uma grave crise econômica, com índices de inflação altíssimos.
As primeiras eleições presidenciais livres e diretas no Brasil ocorreram em 1989, quando Fernando Collor de Mello, do PRN (Partido da Reconstrução Nacional), foi eleito.
Abalado por casos de corrupção e financiamento ilegal de sua campanha eleitoral, Collor de Mello renunciou à presidência, em 1991. Fez isso para evitar o processo de impeachment, sendo sucedido pelo vice-presidente Itamar Franco.
Seguiram-se governos eleitos democraticamente:
- Fernando Henrique Cardoso (1995-2002);
- Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010);
- Dilma Rousseff (2011-2016).
Em 2016 a democracia brasileira sofreu um novo revés, com a destituição da presidente Dilma Rousseff.
O governo Rousseff foi sucedido pelos governos de:
- Michel Temer (2016-2018);
- Jair Messias Bolsonaro (2019-2022);
- Luiz Inácio Lula da Silva (2023 - atual).
Para praticar:
- Questões sobre a redemocratização do Brasil (com gabarito comentado)
- Exercícios de vestibulares e Enem sobre a ditadura
Leia também:
Referências Bibliográficas
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Edusp, 1995.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
CASTRO, Ligia. Redemocratização do Brasil. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/redemocratizacao-do-brasil/. Acesso em: