Sagarana

Daniela Diana
Daniela Diana
Professora licenciada em Letras

Sagarana é uma obra de contos do escritor modernista brasileiro Guimarães Rosa(1908-1967) que foi publicada em 1946.

A obra reúne nove contos:

  1. O Burrinho Pedrês
  2. A Volta do Marido Pródigo
  3. Sarapalha
  4. O Duelo
  5. Minha gente
  6. São Marcos
  7. Corpo Fechado
  8. Conversa de Bois
  9. A Hora e Vez de Augusto Matraga

Guimarães Rosa recebeu dois prêmios pela obra Sagarana: Prêmio Filipe d'Oliveira e Prêmio Humberto de Campos

O Burrinho Pedrês

Narrado em terceira pessoa, esse conto retrata o afogamento de um grupo de vaqueiros e cavalos quando vão atravessar o Córrego da Fome.

Dois dos vaqueiros sobrevivem ao episódio: Francolim e Badu.

Trecho do conto O Burrinho Pedrês:

"Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual.

Agora, porém, estava idoso, muito idoso. Tanto, que nem seria preciso abaixar-lhe a maxila teimosa, para espiar os cantos dos dentes. Era decrépito mesmo à distância: no algodão bruto do pêlo — sementinhas escuras em rama rala e encardida; nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sempre oclusas, em constante semi-sono; e na linha, fatigada e respeitável — uma horizontal perfeita, do começo da testa à raiz da cauda em pêndulo amplo, para cá, para lá, tangendo as moscas."

A Volta do Marido Pródigo

Narrado em terceira pessoa, o personagem principal é Lalino, um homem preguiçoso e malandro, que abandona sua mulher e viaja para o Rio de Janeiro.

Quando retorna, sua mulher, Ritinha, está casada com Ramiro. No final do conto, ele reata com ela.

Trecho do conto A Volta do Marido Pródigo:

"Nove horas e trinta. Um cincerro tilinta. É um burrinho, que vem sozinho, puxando o carroção. Patas em marcha matemática, andar consciencioso e macio, ele chega, de sobremão. Pára, no lugar justo onde tem de parar, e fecha imediatamente os olhos. Só depois que o menino, que estava esperando, de cócoras, grita: — “Íssia!. . . — “ e pega-lhe na rédea e o faz Volver esquerda, e recuar cinco passadas. Pronto, O preto desaferrolha o taipal da traseira, e a terra vai caindo para o barranco. Os outros ajudam, com as pás. Seis minutos: o burrinho abre os olhos. O preto torna a aprumar o tabuleiro no eixo, e ergue o tampo de trás, O menino torna a pegar na rédea: direita, volver! Agora nem é preciso comandar: — “Vamos!”... — porque o burrico já saiu no mesmo passo, em rumo reto; e as rodas cobrem sempre os mesmos sulcos no chão."

Sarapalha

Narrado em terceira pessoa, esse conto revela a história de Ribeiro e Argemiro, que são afetados pela Malária.

Abandonados por todos, Argemiro revela a Ribeiro o interesse que ele tinha em sua mulher, Luísa. Depois da revelação, Ribeiro expulsa Argemiro de suas terras.

Trecho do conto Sarapalha:

"Tapera de arraial. Ali, na beira do rio Pará, deixaram largado um povoado inteiro: casas, sobradinho, capela; três vendinhas, o chalé e o cemitério; e a rua, sozinha e comprida, que agora nem mais é uma estrada, de tanto que o mato a entupiu.

Ao redor, bons pastos, boa gente, terra boa para o arroz. E o lugar já esteve nos mapas, muito antes da malária chegar.

Ela veio de longe, do São Francisco. Um dia, tomou caminho, entrou na boca aberta do Pará, e pegou a subir. Cada ano avançava um punhado de léguas, mais perto, mais perto, pertinho, fazendo medo no povo, porque era sezão da brava da “tremedeira que não desamontava — matando muita gente."

O Duelo

Narrado em terceira pessoa, a história foca no adultério da mulher de Turíbio, Silvana, com Cassiano.

Diante disso, Turíbio resolve matar seu adversário, mas por engano tira a vida do irmão dele. Acaba por fugir e sendo morto por Vinte-e-Um, um conhecido de Cassiano.

Trecho do conto O Duelo:

"Turíbio Todo, nascido à beira do Borrachudo, era seleiro de profissão, tinha pelos compridos nas narinas, e chorava sem fazer caretas; palavra por palavra: papudo, vagabundo, vingativo e mau. Mas, no começo desta estaria, ele estava com a razão.

Aliás, os capiaus afirmam isto assim peremptório, mas bem que no caso havia lugar para atenuantes. Impossível negar a existência do papo: mas papo pequeno, discreto, bilobado e pouco móvel — para cima, para baixo, para os lados — e não o escandaloso “papo de mola, quando anda pede esmola”... Além do mais, ninguém nasce papudo nem arranja papo por gosto: ele resulta das tentativas que o grande percevejo do mato faz para se tornar um animal doméstico nas cafuas de beira-rio, onde há, também cúmplices, camaradas do barbeiro, cinco espécies, mais ou menos, de tatus. E, tão modesto papúsculo, incapaz de tentar o bisturi de um operador, não enfeava o seu proprietário: Turíbio Todo era até simpático: forçado a usar colarinho e gravata, às vezes parecia mesmo elegante."

Minha Gente

Narrado em primeira pessoa, Emílio, o narrador, vai visitar seu tio e acaba se apaixonando por sua prima: Maria Irma.

O amor não é correspondido pois Maria estava interessada em Ramiro que, por fim, torna-se seu marido.

Trecho do conto Minha Gente:

"Quando vim, nessa viagem, ficar uns tempos na fazenda do meu tio Emilio, não era a primeira vez. Já sabia que das moitas de beira de estrada trafegam para a roupa da gente umas bolas de centenas de carrapatinhos, de dispersão rápida, picadas milmalditas e difícil catação; que a fruta mal ma dura da cagaiteira, comida com sol quente, tonteia como cachaça; que não valia a pena pedir e nem querer tomar beijos às primas; que uma cilha bem apertada poupa dissabor na caminhada; que parar à sombra da aroeirinha é ficar com o corpo empipocado de coceira vermelha; que, quando um cavalo começa a parecer mais comprido, é que o arreio está saindo para trás, com o respectivo cavaleiro; e, assim, longe outras coisas. Mas muitas mais outras eu ainda tinha que aprender."

São Marcos

Narrado em primeira pessoa, José é o narrador desse conto. Izé, como é conhecido, não acredita em feiticeiros e sempre recita a Oração de São Marcos, como forma de zombar dessa crença.

Para se vingar dele, o feiticeiro coloca uma venda nos olhos de um retrato que o deixa cego por um tempo.

Trecho do conto São Marcos:

"Naquele tempo eu morava no Calango-Frito e mm acreditava em feiticeiros.

E o contra-senso mais avultava, porque, já então — e excluí da quanta coisa-e-sousa de nós todos lá, e outras cismas corriqueiras tais: sal derramado; padre viajando com a gente no trem; não falar em raio: quando muito, e se o tempo está bom, “faísca”; nem dizer lepra; só o “mal”; passo de entrada com o pé esquerdo; ave do pescoço pelado; risada renga de suindara; cachorro, bode e galo, pretos; e, no principal, mulher feiosa, encontro sobre todos fatídico; — porque, já então, como ia dizendo, eu poderia confessar, num recenseio aproximado: doze tabus de não-uso próprio; oito regrinhas ortodoxas preventivas; vinte péssimos presságios; dezesseis casos de batida obrigatória na madeira; dez outros exigindo a figa digital napolitana, mas da legítima, ocultando bem a cabeça do polegar; e cinco ou seis indicações de ritual mais complicado; total: setenta e dois — noves fora, nada."

Corpo Fechado

Narrado em terceira pessoa, a conto foca no interesse de Antonico das Pedras-Águas, o feiticeiro, sobre a mula pertencente a Manuel Fulô.

Com o intuito de conseguir a mula, o feiticeiro promete “fechar o corpo” de Manuel.

Trecho do conto Corpo Fechado:

"José Boi caiu de um barranco de vinte metros; ficou com a cabeleira enterrada no chão e quebrou o pescoço. Mas, meio minuto antes, estava completamente bêbado e também no apogeu da carreira: era o “espanta-praças”, porque tinha escaramuçado, uma vez, um cabo e dois soldados, que não puderam reagir, por serem apenas três. —Você o conheceu, Manuel Fulô?"

Conversa de Bois

Narrado em terceira pessoa, esse conto foca na trajetória de um carro de bois que leva rapadura e o defunto, o pai de Tiãozinho.

Paralelamente, o boi Brilhante conta a história de outro, enquanto revela os maus-tratos que os animais sofrem.

Trecho do conto Conversa de Bois:

"Que já houve um tempo em que eles conversavam, entre si e com os homens, é certo e indiscutível, pois que bem comprovado nos livros das fadas carochas. Mas, hoje- em-dia, agora, agorinha mesmo, aqui, aí, ali, e em toda parte, poderão os bichos falar e serem entendidos, por você, por mim, por todo o mundo, por qualquer um filho de Deus?!

— Falam, sim senhor, falam!.. —, afirma o Manuel Timborna, das Porteirinhas, filho do Timborna velho, pega- dor de passarinhos, e pai dessa infinidade de Timborninhas barrigudos, que arrastam calças compridas e simulam todos o mesmo tamanho, a mesma idade e o mesmo bom-parecer; —Manuel Timborna, que, em vez de caçar serviço para fazer, vive falando invenções só lá dele mesmo, coisas que as outras pessoas não sabem e nem querem escutar."

A Hora e Vez de Augusto Matraga

Narrado em terceira pessoa, esse conto foca na história de Augusto Estêves, depois de perder seus bens e seus capangas.

Além disso, sua mulher e filha fogem com Ovídio Moura. Indignado, resolve ir à propriedade de seu adversário Major Consilva. Ele estava com seus capangas.

No entanto, Augusto é espancado e marcado com ferro. Consegue fugir da propriedade do Major, sendo encontrado por um casal de pretos, que cuida dele.

Mais tarde, o bando de Joãozinho Bem-Bem, o mais temido jagunço do sertão, chega a cidade em que estava Augusto.

Embora tenham ficado amigos, no momento em que Augusto fala para Joãozinho não matar uma família, eles resolver combater. No duelo final, ambos morrem.

Trecho do conto A Hora e Vez de Augusto Matraga:

"Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Estêves. Augusto Estêves, filho do Coronel Afonsão Estêves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto — o homem — nessa noitinha de novena, num leilão de atrás da igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici.

Procissão entrou, reza acabou. E o leilão andou depressa e se extinguiu, sem graça, porque a gente direita foi saindo embora, quase toda de uma vez.

Mas o leiloeiro ficara na barraca, comendo amêndoas de car tucho e pigarreando de rouco, bloqueado por uma multidão encachaçada de fim de festa."

Análise da obra Saragana

Nesse romance documental regionalista o escritor Guimarães Rosa utiliza uma linguagem inovadora e musical.

Por meio de um vocabulário cheio de arcaísmos, termos populares e neologismos, Rosa insere a figura do sertanejo no universo do sertão brasileiro.

Minas Gerais é o local mais citado, ainda que são mencionados outros estados do Brasil como Rio de Janeiro e Goiás.

O uso de figuras de linguagem é recorrente, o que oferece maior expressão ao texto. Metáforas, metonímias, elipses, aliterações e onomatopeias são as que mais se destacam na obra.

Além disso, o discurso indireto é bastante utilizado, por isso, a oralidade é uma das fortes características da obra. O tempo psicológico dos personagens envolvidos confere aos contos certa linearidade dos fatos.

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Questões sobre Guimarães Rosa (com respostas explicadas)

Daniela Diana
Daniela Diana
Licenciada em Letras pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2008 e Bacharelada em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2014. Amante das letras, artes e culturas, desde 2012 trabalha com produção e gestão de conteúdos on-line.