Casa-Grande e Senzala

Juliana Bezerra
Juliana Bezerra
Professora de História

O livro "Casa Grande e Senzala", do sociólogo Gilberto Freyre, foi lançado em 1933.

Nesta obra, Freyre discute a formação da sociedade brasileira a partir de temas como a comida, arquitetura, hábitos, sexualidade, vestimentas, etc.

O livro está estruturado em cinco capítulos onde são analisados três povos que constituíram o Brasil: o indígena, o português e o negro.

Um dos objetivos do livro é responder às teses racistas que vigoravam nos anos 20 e 30 no mundo. Nesta época, muitos defendiam que existiam raças humanas superiores e inferiores; e o cruzamento entre elas resultaria num povo degenerado e incapaz. Portanto, a mestiçagem é negativa, segundo estas teorias.

Gilberto Freyre defende que a mestiçagem não causa nenhuma “degeneração”. Muito pelo contrário, o resultado da miscigenação é positivo, como prova o caso do povo brasileiro.

Sociedade brasileira x sociedade americana

Freyre deseja provar que a sociedade brasileira é superior, no aspecto racial, à americana.

Nos Estados Unidos, a escravidão gerou duas populações, uma negra e outra branca, separadas legalmente. Já no Brasil, isso não ocorreu devido à flexibilidade do português católico tinha em relação ao negro e ao indígena.

Precisamos lembrar que Freyre foi educado em colégios americanos no Recife, cursou a universidade nos Estados Unidos e ali morou por dez anos. O sociólogo ficou horrorizado com a separação legal entre negros e brancos que vigorava neste país e refletiu esta surpresa nas páginas de sua obra.

Principais ideias de Casa-Grande e Senzala

Os três pilares da colonização portuguesa para Freyre são a miscigenação, o latifúndio e a escravidão.

Miscigenação

Para Gilberto Freyre, a sociedade brasileira era o resultado da miscigenação cultural entre portugueses, indígenas e negros.

O colono português chegado ao novo território não rejeitou a mulher indígena, nem a negra, ao contrário do que ocorreu na América anglo-saxônica. Freyre atribui esta diferença aos relacionamentos inter-raciais do português, acostumado a comercializar com os povos do norte da África, diferente do inglês, que não tinha contato com estas populações.

Freyre, porém, não comenta que estas relações colocavam a mulher numa posição de mais inferioridade, pois os filhos gerados desta união não eram considerados legítimos.

Escravidão

Uma das teses mais polêmicas de Gilberto Freyre foi justificar a escravidão do indígena e, principalmente, do negro como “necessária” para o empreendimento colonial.

No caso brasileiro, porém, parece-nos injusto acusar o português de ter manchado, com instituição que hoje tanto nos repugna, sua obra grandiosa (sic) de colonização tropical. O meio e as circunstâncias exigiriam o escravo… Para alguns publicistas foi um erro enorme (escravizar o negro). Mas nenhum nos disse até hoje que outro método de suprir as necessidades do trabalho poderia ter adotado o colonizador português no Brasil… Tenhamos a honestidade de reconhecer que só a colonização latifundiária e escravocrata teria sido capaz de resistir aos obstáculos enormes que se levantaram à civilização do Brasil pelo europeu.”

A escravidão fortaleceu a sociedade patriarcal onde o homem branco – o dono da Casa-Grande – era o proprietário de terras, escravos, até mesmo de seus parentes, no sentido que ele governava suas vidas. Desta maneira, cria-se uma sociedade sempre dependente de um senhor poderoso e incapaz de governar a si mesma.

Latifúndio

O latifúndio foi a grande propriedade implantada pelos portugueses a fim de ocupar e explorar a terra.

Para Freyre, a opção pela grande propriedade foi questão de um hábito enraizado na cultura portuguesa e não fruto de um planejamento para explorar as novas terras americanas.

Os portugueses que aqui, um tanto à maneira dos Templários em Portugal, tornaram-se grandes latifundistas, por um lado seguiram o exemplo dos cruzados, principalmente o dos freires - capitalistas e proprietários de latifúndios, não raras vezes os bens, os gados e homens das terras reavidas aos infiéis ou tomadas aos moçárabes constituindo seu único capital de instalação (...).

Em contraponto com a colonização inglesa nas Treze Colônias, baseada na pequena propriedade, o latifúndio no Brasil, reforçou o poder patriarcal.

Por outro lado, como a terra tinha dono, isso impediu o surgimento de qualquer iniciativa empreendedora, perpetuando o modelo patriarcal e escravocrata por muito tempo no Brasil.

Críticas à Casa-Grande e Senzala

Para escrever seu livro, Gilberto Freyre lança mão de uma linguagem mais próxima à literatura que à acadêmica. Isso provocou inúmeras críticas ao seu estudo, pois muitos consideraram que faltaria rigor científico.

Freyre recorre à generalização sem especificar quais tribos indígenas existiam no território ou sem distinguir as etnias dos que foram trazidos da África. Do ponto de vista de um pesquisador, trata-se de uma incorreção, pois cada tribo indígena reagiu à colonização de maneira particular.

Também os negros escravizados vindos da África não eram uma massa homogênea e tampouco foram submissos como os descreveu o sociólogo pernambucano.

O economista Bresser Pereira resume as qualidades e faltas da obra de Gilberto Freyre:

Em síntese, um grande livro. Um livro que ajudou poderosamente a definir a identidade nacional brasileira. Um livro conservador, mas corajoso. Um livro radicalmente contrário ao racismo, mas legitimador da escravidão. Um livro que nos dá uma visão extraordinária daquilo a que se propôs – a vida social e sexual na Colônia e no Império – mas uma visão equivocada da economia desse período.

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Juliana Bezerra
Juliana Bezerra
Bacharelada e Licenciada em História, pela PUC-RJ. Especialista em Relações Internacionais, pelo Unilasalle-RJ. Mestre em História da América Latina e União Europeia pela Universidade de Alcalá, Espanha.