🚀 60% OFF para turbinar seus estudos! Assine agora

Mitologia Tupi-guarani

Lucas Pereira
Lucas Pereira
Professor de História

A mitologia tupi-guarani se refere ao conjunto de crenças e tradições religiosas ligadas aos povos tupis-guaranis.

O termo “tupi-guarani” envolve diferentes povos indígenas, agrupados por falarem idiomas pertencentes ao tronco linguístico tupi. Por exemplo, são considerados tupi-guarani os caetés, guaranis, potiguares ou temiminós.

Cada um desses povos tem suas próprias histórias e rituais, que variam conforme a região e a tradição local. Dessa forma, há uma diversidade interna nas crenças e práticas religiosas tupi-guarani.

Ainda assim, algumas narrativas compartilham temas semelhantes, mas sempre com variações locais. Por exemplo, é comum a forte relação entre a espiritualidade e a natureza. Afinal, a cosmovisão tupi-guarani não costuma separar natureza e cultura, corpo e espírito, humanos e não humanos.

Outro ponto de destaque é a importância dada às palavras e aos sons. Para a cultura tupi-guarani, a palavra e os ritmos têm uma capacidade criadora. Em guarani, o termo “nhe’ẽ” significa ao mesmo tempo “fala”, “espírito” e “sopro”, mostrando a força vital ligada à linguagem.

Também é central na religiosidade dos povos tupi-guarani a figura do xamã, também chamado de pajé. Trata-se de uma liderança espiritual que se comunica com as forças da natureza por meio de saberes ancestrais e práticas xamânicas.

A criação do mundo para os Tupi-Guaranis

Para muitos povos tupi-guaranis, a criação do mundo está ligada à ação de Ñanderu Tenondé (“O Pai Primeiro”), também chamado de Tupã Tenondé.

Este não seria um “Deus” como no cristianismo, mas sim uma força criadora que se manifesta até hoje em cantos e rituais. Também é frequentemente descrito como a “Consciência Suprema”.

Para os povos guaranis, por exemplo, esta força seria a criadora do mundo, da vida e das coisas, inclusive criador de si mesmo. Seus feitos estão presentes em várias tradições e cânticos até hoje.

Abaixo, por exemplo, podemos ler uma breve passagem sobre o Criador, citada pelo autor indígena Kaka Werá Jecupé:

Ñande Ru Pa-pa Tenondé
guete rã ombo-jera
pytý yma gui.

("Nosso Pai Primeiro
criou-se por si mesmo
na Vazia Noite iniciada.”)

(...)

Yvára jeckaka mba'ekuaá,
yava rendupa,
yvára popyte, yvyra'i,
yvara popyte, rakã poty,
oguero-jera Ñamandui
pytu yma mbyte re.

(Círculo desdobrado da sabedoria inaudível,
fluiu-se divino Todo Ouvir
as divinas palmas das mãos portando o bastão de poder,
as divinas palmas das mãos feito ramas floridas
trama o Imanifestado, na dobra de sua evolução,
no meio da primeira Grande Noite.)

Entre as criações de Ñande Ru está Yvy Tenondé, a Mãe Terra. Esta teria se formado a partir da base do cetro (chamado de popygua) do Criador. A mãe terra é vista como um ser vivo, dotado de espírito próprio - uma serpente - cuja imagem teria dado origem às serpentes atualmente encontradas na natureza.

A vida na Mãe Terra teria sido criada através das chamas, da neblina, dos sons e dos cânticos. Ñande Ru teria recebido a ajuda de cinco seres-trovão, espíritos ancestrais responsáveis por etapas específicas da criação do mundo.

Na mitologia guarani, Ñande Ru é frequentemente associado ao colibri e à coruja, animais que representam a sabedoria e a conexão entre mundos.

Por fim, uma tradição recorrente em povos tupi-guarani é o objetivo fazer da Terra a Yvy Marãey, isto é, uma Terra sem Males. Assim, os seres deveriam construir coletivamente um lugar equilibrado, sem fome, guerras ou doenças, que seria abastecido pelos próprios frutos da terra.

A figura de Tupã

Uma das figuras mais conhecidas na mitologia tupi-guarani é Tupã, um ser sobrenatural ligado aos trovões.

Ao longo da colonização, os jesuítas interpretaram equivocadamente a figura de Tupã, aproximando-o do Deus cristão. Fizeram isso num esforço para explicar o cristianismo aos indígenas, mas resultou em uma leitura incorreta e superficial de Tupã.

Para os tupi-guaranis, Tupã não é era um “deus supremo”, mas uma das diversas manifestações do sagrado. Era capaz tanto de criar quanto de destruir, coexistindo com outras divindades e forças sagradas que os jesuítas deixaram de reconhecer.

Assim, essa associação equivocada com o Deus cristão reduziu a complexa visão de mundo tupi-guarani, causando confusões que persistem até hoje.

A dualidade e o exemplo do Sol e da Lua

Nas tradições tupi-guarani, é comum a existência de mitos que envolvem pares complementares, como os irmãos Sol (Kuaray) e Lua (Jaxi).

Em certas crenças tupi-guarani, o Sol é entendido como principal regulador da vida na Terra. Já a Lua, chamada de Jaxy ou Jaci, é associada à vida marinha e às marés. Em muitas tradições tupi-guarani, é vista como uma entidade masculina, sendo o irmão mais novo do Sol.

Os eclipses eram explicados por histórias como a do espírito da onça (chamada de Charía, xivi ou Anhá) que persegue os astros, uma narrativa registrado na cosmovisão tupinambá e guarani. Aqui, conta-se que os eclipses ocorrem como consequência dessa perseguição, sendo que o fim do mundo se daria quando um dos astros fosse finalmente alcançado pelo espírito-onça.

Por isso, durante os eclipses, era comum que os tupinambás e outros povos tupi-guaranis realizassem cerimônias importantes, ligadas à crença de que esses rituais ajudavam a proteger os astros da perseguição da onça. Segundo a tradição, esses rituais eram fundamentais para a manter o equilíbrio do mundo espiritual e terreno.

A alma para os povos tupi-guaranis

Outro aspecto importante da mitologia tupi-guarani é a crença na existência da alma para os seres vivos.

Em muitos povos tupi-guarani, a alma não seria exclusiva dos humanos, mas sim de todos os seres vivos. Além disso, os seres vivos não teriam apenas uma única alma, sendo, na verdade múltiplas.

Por exemplo, entre os Guarani Mbya, cada pessoa teria três almas: uma ligada ao corpo, outra aos sonhos e outra ao espírito (nhe’ẽ). Se todas essas almas abandonassem o corpo ao mesmo tempo, o indivíduo morreria.

Por muito tempo, acreditava-se que a alma do corpo (ãngue ry) representasse o lado ruim da pessoa ou do ser vivo. No entanto, é mais correto afirmar que tal alma está associada a desequilíbrios que precisam ser curados ao longo da vida.

Quando o ser vivo morre, esta mesma alma fica vagando pela terra, como uma espécie de assombração - o que precisa ser harmonizado e cuidado através de rituais. Por sua vez, as outras almas do ser partem em definitivo para a vida espiritual.

Aprofunde os seus estudos sobre o assunto com:

Cultura Tupi-Guarani: religião, arte e modo de vida

Lendas Indígenas

Referências Bibliográficas

AFONSO, Germano Bruno. Mitos e estações no céu tupi-guarani. Scientific American Brasil, v. 14, n. 4, p. 46-55, 2006.

JECUPÉ, Kaka Werá. Tupã Tenondé: A criação do Universo, da Terra e do Homem segundo a tradição oral Guarani. São Paulo: Peirópolis, 2001.

MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: Edusp, 2007.

Lucas Pereira
Lucas Pereira
Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Estadual de Campinas (2013), com mestrado em Ensino de História pela mesma instituição (2020). Atua como professor de História na educação básica e em cursos pré-vestibulares desde 2013. Desde 2016, também desenvolve conteúdos educativos na área de História.